domingo, 18 de janeiro de 2009

A Poesia de Age de Carvalho



A poesia de Age de Carvalho propõe o despedaçamento da escrita e a autonomia dos fragmentos.
(Fabrício Carpinejar)


"A minha impressão sobre a minha poesia não conta mais que a sua ou a de outro leitor qualquer. Não estou aqui para julgar os meus poemas, senão para escrevê-los".
(Age de Carvalho)

Age de Carvalho nasceu em Belém do Pará, em 1958. Concluiu seus estudos primário e ginasial no Colégio Moderno, em Belém, e se formou em Arquitetura pela Universidade Federal do Pará em 1981. Lançou seu primeiro livro de poemas, Arquitetura dos Ossos, em 1980. Editou a página de poesia Grápho nos jornais paraenses A Província do Pará e O Liberal entre 1983-85, atuando também como tradutor. Passa o ano de 1984 em Innsbruck, Áustria. No final de 1986 retorna à Europa para se fixar em Viena. De 1991 a 2000 vive em Munique, Alemanha, e a partir deste ano muda-se definitivamente para Viena, na Áustria, onde hoje reside.

Aprendiz dos mestres da poesia universal, Age bebeu nas fontes de Paul Celán – com quem aprendeu a economia da forma –, de Ezra Pound (cultor de fragmentos), de Mário Faustino (com quem percebeu que um poema não deve ser falante demais), do Drummond dos “laços de família”, de Ferreira Gullar (de corporal luta) e de Max Martins, amigo, parceiro de Risco subscrito, e, por que não dizer, mestre. Age de Carvalho tornou universais os quintais e as ruas de Belém. Isso o faz, nestes poemas, traçar sua biografia. Uma biografia poética em que o eu-lírico esconde-se atrás de uma hermética máscara de palavras.

Age, 50 anos, ainda é um culto para poucos amigos. Um caminho diferenciado na poesia brasileira, que o isola quando o deveria destacar. Escavador de correntes subterrâneas, oferece textos cifrados, misteriosos, que não aceitam a elucidação imediata e o código de barras.

A realidade de seus versos é conquistada, apanhada aos sorvos, aos corvos. É uma peça de oratório, poesia tão pura que se assemelha a um transe.

Como designer gráfico atua em várias revistas austríacas e alemãs na função de diretor de arte.

Livros publicados: Arquitetura dos ossos (Editora Falângola/Semec, Belém, 1980), A fala entre parêntesis junto com Max Martins (Edições Grápho/Grafisa/Semec, Belém, 1982), Arena, areia (Grafisa/Edições Grápho, Belém, 1986), Ror: 1980-1990 (poesia reunida e o livro inédito Pedra-um, Editora Duas Cidades, Coleção Claro Enigma, SP, 1990), Móbiles (junto com Augusto Massi, 7 Letras, Rio, 1998), Caveira 41 (Cosac & Naify/7 Letras, São Paulo, 2003) e Seleta, antologia poética (Editora Paka-Tatu, Belém, 2004) e Sangue-Gesang ("Cantos do Sangue" traduzida por Curt Meyer-Clason, 2006), extensa antologia poética, edição bilíngüe alemão-português, ainda não publicada no Brasil. Seus poemas foram incluídos em importantes antologias de poesia contemporânea brasileira, como Artes e Ofícios da Poesia (Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1991) e Nothing the sun could not explain (Los Angeles: Sun & Moon, 1997).


Vale à pena assistir, ler e refletir os poemas de Age.



O CÍRCULO

na areia, o

que no

grão de

grande

há,

sim sens, não tens

a fala sem sentido

que é

isto: menos que

isto, isso

3

As bananeiras indecentemente alvoroçando suas pernas

amplamente às serpentes de pluma: antros

do inferno: as formações cruéis, passando: nuvens

É que vens nu, e as nuvens te amoralçam

assanham ecos, sonham o silêncio atrás dos muros

Mais alto a fala do sol de ensina às pedras

te insinua às sombras (que estão nos antros

— fendas noturnas)

Claro-escuro

de linguagens subterrâneas, ânus

para a fala de dois espíritos:

Escritura,

filtro de luz, as marcas inscritas no crânio

da palavra, verão de alfabetos esquecidos,

sílabas, louras mitologias manchadas no muro

Que existe/insiste escuro para manhãs, amanhos, aventuras:

A Ilha do Tesouro, a mala do defunto, o escaravelho

— a fala

se amofina estéril e lisa, espuma

ao gozo de neblinas



VEIO

veio Áries, as forças,

a espiral,
do cifrado chifre e um número
de ouro, Quatro, herdado
de ti,

Um-pai,

pastoreando agora o carneiro
dourado para fora
do quarto,

perdida a córnea

palavra, pós-operatória,
que, soprada,
talvez, talvez
levasse
a ti.



CORCOVADO

à Nelci Frangipani


Uma última vez

antes de subirmos,

braços abertos sobre

a flora brava, aqui

em baixo, onde colho

a despedida –

o tempo

só de abraçar

o abricó-da-praia,

meu amigo,

enquanto tu, trezentas

e terrena, davas

comida aos gatos.



POEMA COMPLEMENTAR SOBRE O RIO

A José Maria de Vilar Ferreira


O rio consagrado: a vazante

lembrança que escoa em maré

baixa e retorna — água escura

— na preamar

O rio sagrado: invólucro do céu

e margem, e duas margens

dos caboclos amantes. O rio

passado: cismando na crisma, paresque

dumas lembranças que trabalham a solidão:

o paralelo das margens, uma igara partida,

as águas sujas que sempre voltam.



A CADELA

Caminhava grave pela casa
a cadela.
A cabeça quieta era sua altivez
quadrúpede no centro da cozinha.
Caminhava. Os olhos, costelas,
o mar de ossos, o coração
pardo e lento – caminhava.

A manhã debruçava-se pela janela: cristais no pó,
o púcaro da china, horas de louça
batendo nas palavras na sala da casa.
A cadela caminhava, dura,
secular.
(Domingo dormia
prolongado como um funcionário feriado).

Vivera demais. Descansava à sombra,
perto do quarador.
Sonhava farta, invisível,
a cadela azul,
nua
(o sexo velho e molhado,
um caranguejo arcaico sob o rabo).

Dormia, vazia.

Outubro doía longe, na Ásia,
quando a Fuluca anunciou: "A Catucha morreu".



IN ABSENTIA

E: ainda uma chance —
uma pedra se refolha
para o repouso,
o instante é
sempre presença

Ror de erros,
recolho repetidos
o que ainda me pertence



NISSO

que ascendeu
se revelou
e esqueceu

ponhamos uma pedra



SUMA

Quantas vezes
ainda por repetir?

Estão comigo, todas
de segunda mão,
não classificadas

ó anel
círculo mancha ervas
sombra relva irmã
estrela erro tumba

por companhia

pedra pedra pedra



A JOÃO CABRAL DE MELO NETO

só dizer
o que sei
e duvido saber, o sal
pela mão
do rio-sem
resposta —
um luxuoso dizer, de vagar sem onda
e vaga, fluvial, não aliterado;

um dizer repetido na diferença,
barrento, semi-dito, em Não fechado;

ou o não-dito, rios sem discurso,
nome por dizer ou dizer empedrado;

dizer sim o raro e claro do poema,
dizer difícil e atravessado, com margem

de erro



VERMELHO

Tua,
de seda e feno
no transe da metáfora
a fenda soletrada-sol,
vala de luz, vocabulário

Tua, folhagem. O
olho
alcança o Olho,
desce aos infernos:

sonha o cabelo da urna,
o vermelho
da cifra, a ferida
no centro da fogueira

Tua, tua



Referências:

  • Cultura Pará, Age de Carvalho
  • Miranda, Antonio, Poesia dos Brasis/Age de Carvalho
  • Carpinejar, Fabrício, POESIA Uma caixa-oração, Outubro, 2003.
  • sábado, 3 de janeiro de 2009

    A Academia e a poesia de Max Martins

    Foto: Paula Sampaio

    A Academia dos Poetas Paraenses pretende reunir em cacho os grandes poetas paraenses. O objetivo é divulgar suas obras na qual possamos beber das gemas filosóficas de cada um e compreender a genialidade poética de todos.

    As publicações de cada autor ocorrerão mensalmente. Aqui serão mostrados poetas da antiga e nova geração como por exemplo: Max Martins, Age de Carvalho, Adalcinda Camarão, Benedicto Monteiro, Rui Barata, Antônio Tavernard, Bruno de Meneses, JJ Paes Loureiro, Emir Bemerguy, Olga Savary, Carlos Correia Santos, José Ildone, Antônio Juraci Siqueira, Salomão Larêdo, Vicente Cecim, Eneida de Moraes, Inglês de Souza, Rodrigues Pinagé, Júlio César Ribeiro de Sousa - era tido como o príncipe dos poetas paraenses, Francisco Paulo Mendes, Cauby Cruz, José Paulo Paes, Paulo Plínio Abreu, Roberto Carvalho de Faro, Hilmo Moreira, Camilo Delduque, Alfredo Garcia, Alberto Cohen, Alonso Rocha - príncipe dos poetas paraenses, Ronaldo Franco, José Maria de Vilar Ferreira, José Maria Leal Paes, Jorge Andrade, Vicente Salles, Marcos Quinan, Jorge Campos, e tantos outros.

    Na estréia da Academia nada mais justo do que iniciar as postagens mostrando os poemas de Max Martins.

    "A minha poesia tem uma relação muito veemente com a vida.
    É poesia-vida, vidapoesia".
    Max Martins.

    Max Martins nasceu em Santa Maria de Belém do Grão Pará em 1926. A partir de 1934, fez estudos nas áreas de Poesia, Artes, Literatura e Filosofia, nunca abandonando a formação autodidata.

    Os primeiras textos de Max foram publicadas por Haroldo Maranhão em um jornal escolar denominado “O Colegial”. Foi a partir desse jornal de alunos, que floresceu uma amizade entre Max, Haroldo e Benedito Nunes que dura mais de 50 anos. No período de 1945 a 1951, eles participaram juntos do suplemento literário “Folha do Norte”, de grande importância na época.

    Ao lado de Benedito Nunes, Francisco Paulo Mendes, Rui Barata, Mário Faustino, Paulo Plínio de Abreu, Haroldo Maranhão, viu chegar a modernidade na poesia brasileira, da qual se tornou um dos poetas mais expressivos. Sua obra está traduzida para o alemão, inglês e francês.

    Hoje, aos 82 anos, Max é o maior poeta paraense em atividade. Sua poesia é trangressão, é ruptura, é um fora na mesmice, é espelho para os novos poetas.

    Livros publicados: O Estranho,1952; Anti-Retrato, 1960 — ambos de poesia. Tanto o primeiro como o segundo livro receberam respectivamente os prêmios da Academia Paraense de Letras e Secretaria de Educação do Estado do Pará; H'Era, 1971; O Ovo Filosófico, 1976; O Risco Subscrito, 1980; A Fala entre Parênteses, 1982 — em parceria com o poeta Age de Carvalho; Caminho de Marahu, 1983; 60/35, 1985; Não para Consolar — Poesia Completa — Prémio Olavo Bilac da ABL, dividido com o poeta António Carlos Osório, 1992; Para Ter Onde Ir, 1992; Colmando a Lacuna — Poemas Reunidos, 1952-2001.

    Max Martins é dos mais instigantes, vale ouvir, vale a leitura, vale a reflexão.




    A CABANA

    É preciso dizer-lhe que tua casa é segura
    Que há força interior nas vigas do telhado
    E que atravessarás o pântano penetrante e etéreo
    E que tens uma esteira
    E que tua casa não é lugar de ficar
    mas de ter de onde se ir.


    O CALDEIRÃO

    Aos sessenta anos-sonhos de tua vida (portas
    que se abrem e fecham
    fecham e abrem
    carcomidas)

    Ferve

    a gordura e as unhas das palavras
    seu licor umbroso, teus remorsos-pêlos
    Ferve
    e entorna o caldo, quebra o caldeirão
    e enterra
    teu faisão de jade do futuro
    teu mavioso osso do passado

    Agora que a madeira e o fogo de novo se combinam
    e o inimigo n. 1 já não te enxerga

    ou vai embora
    varre tua esperança tíbia

    o tigre da Coréia da parede

    É lícito tomar agora a concubina
    E despentear na cama a lua escura, o ideograma


    A FERA

    Das cavernas do sono das palavras, dentre
    os lábios confortáveis de um poema lido
    e já sabido
    voltas
    para ela - para a terra
    maleável e amante. Dela
    de novo te aproximas
    e de novo a enlaças firme sobre o lago
    do diálogo, moldas
    novo destino
    Firme penetra e cresce a aproximação conjunta
    E ocupa um centro: A morte, a fera
    da vida
    te lambendo


    MARAHU: Primeira Relação

    2 formigas - operárias
    ápteras
    ou novatas, não
    de fogo mas
    noturnas, doces
    1 grilo
    (depois aprisionado
    pela aranha, morto
    ao amanhecer)
    O canto dum galo
    e outro galo
    A saracura. A tarde
    2 gaviões molhados
    encolhidos no pau da árvore
    pensos
    Garças
    sobre as pedras
    negras da praia
    Os urubus
    o boto morto
    um cão medroso, sapos
    sapos
    sapos
    1 goteira
    sapos
    chuva
    o sol
    vindo do mato
    às 7
    da manhã
    A noite
    a escuridão o vento as velas
    de Lao-tsé
    Thoreau
    e o meu cajado de bambu rachado
    o chão
    folhas úmidas


    AMARGO

    Há um mar, o dos velames,
    das praias ardendo em ouro.

    Há outro mar, o mar noturno,
    o das marés com a lua
    a boiar no fundo
    o mênstruo da madrugada.

    E afinal o outro, o do amor amargo,
    meu mar particular, o mais profundo,
    com recifes sangrando, um mar sedento
    e apunhalado.


    RASGAS A FRIA NOITE COMO UM DARDO

    Rasgas a fria noite como um dardo
    em fogo
    e logo
    a flâmula como um pêndulo
    desce sobre o peito
    donde nasce um sol obscuro e virgem.
    Através dos ramos levo-me – levas-me –
    puro e simples para os ventos
    mesmo que triste, inconsútil e leve.
    Mas, como se de pedra fosse o ilimitado
    de coral ou ilha
    o gesto falha inútil
    e impetuosamente caímos sobre o limo
    deflorados e neutros para o dia.


    Referências:
    • Martins, Max. Poemas reunidos: 1992-2001. Belém: EDUFPA, 2001.
    • Pereira, João Carlos. Autores paraenses: as leituras do vestibular. Belém: Cejup, 1996.
    • Wiki: Max Martins, 2009.